quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Curioso notar as diferentes formas de morrer, o gradiente completo entre resignação e desespero. No extremo da resignação, pensemos num cachorro morrendo de velho. Ele se recolhe num canto de muro, embaixo de um arbusto, e fica em silêncio, com os olhos tristes, rosnando pra qualquer ser vivo que se aproxime, até que morre, deitadinho. No extremo do desespero, não há como não de lembrar se um porco sendo carneado. Porcos sendo carneados berram enlouquecidamente até o último instante possível. É um espetáculo chocante, mas inspirador. Já as ovelhas morrem sempre em silêncio, mesmo que seja na ponta da faca. Morrem com o orgulho que nenhum homem terá no instante da morte. (...) Seres humanos morrem de forma mais irracional: vão para um hospital, extrair inúteis e moribundos instantes de vida, multiplicando a dor de todos os envolvidos, nutrindo um pouco mais a angústia de todos nós.

(Manual para atropelar cachorros, que você pode ler aqui.)


Dentes guardados. Não acabam nunca se guardados. Na boca apodrecem.
Hilda Hilst, Com os Meus Olhos de Cão

Falling down.


http://www.youtube.com/watch?v=ksbaPmRDa60

"Falling Down" é uma das músicas mais famosas de Tom Waits, e uma trilha sonora perfeita para Dentes Guardados.

I have come 500 miles just to see a halo
Come from St. Petersburg, Scarlett and me
Well I open my eyes, I was blind as can be
When you give a man luck, he must fall in the sea
And she wants you to steal and get caught
For she loves you for all that you are not
When you’re falling down, falling down
When you’re falling down, falling down, falling down

You forget all the roses, don’t come around on Sunday

She’s not gonna choose you for standing so tall
Go on and take a swig of that poison and like it
And don’t ask for silverware, don’t ask for nothing
Go on and put your ear to the ground
You know you will be hearing that sound......falling down.
You’re falling down, falling down
Falling down, falling down, falling down

When you’re falling down, falling down, falling down


Go on down and see that wrecking ball come swinging on along

Everyone knew that hotel was a goner
They broke all the windows, they took all the door knobs
And they hauled it away in a couple of days
Now someone yell timber and take off your hat
It’s a lot smaller down here on the ground
You’re falling down, falling down, falling down
Falling down, falling down, falling down

Someone’s falling down, falling down, falling down

Falling down, falling down, falling down

domingo, 23 de outubro de 2011

QUEREMOS SER JOVENS

GERAÇÕES QUE REVOLUCIONARAM O MUNDO PÓS-MODERNO



O QUE É PÓS MODERNO


Imaginemos uma fabulazinha onde o herói seja um certo urbanóide pós-moderno: você
Ao acordá-lo, o relógio digital dispara informações sobre o tempo e o trânsito. Ligando a FM, lá está o U2. O vibromassageador amacia-lhe a nuca, enquanto o forno microondas descongela um sanduíche natural. No seu Apple, sua agenda indica: 

REUNIÃO AGÊNCIA 10H/ TÊNIS CLUBE 12H/ ALMOÇO/ TROCAR CARTÃO MAGNÉTICO BANCO/ TRABALHAR 15H/ PSICOTERAPIA 18H/ SHOPPING/ OPÇÕES: INDIANA JONES-BLADE RUNNER VIDEOCASSETE ROSE, SE LIGAR / SE NÃO LIGAR, OPÇÕES: LER O NOME DA ROSA (ECO) - DALLAS NA TV - DORMIR COM SONÍFEROS VITAMINADOS/.

Seu programa rolou fácil. Na rua divertiu-se pacas com a manifestação feminista pró-aborto que contava com um bloco só de freiras e, a metros dali, com a escultura que refazia a Pietá (aquela do Miguelangelo) com baconzitos e cartões perfurados. Rose ligou. Você embarcou no filme Indiana Jones sentado numa poltrona estilo Menphis - uma pirâmide laranja em vinil - desfiando piadas sobre a tese dela em filosofia: Em Cena, a Decadência. A câmera adaptada ao vídeo filmou vocês enquanto faziam amor. Será o pornô que animará a próxima vez.

Ao trazê-lo de carro para casa, Rose, que esticaria até uma festa, veio tipo impacto: maquiagem teatral, brincos enormes e uma gravata prateada sobre o camisão lilás. Na cama, um sentimento de vazio e irrealidade se instala em você. Sua vida se fragmenta desordenadamente em imagens, dígitos, signos - tudo leve e sem substância como um fantasma. Nenhuma revolta. Entre a apatia e a satisfação, você dorme.
A fabulazinha, claro, não tem moral nem permite conclusões, mas põe na bandeja os lugares por onde circula o fantasma pós-moderno:

1. Para começar, ele invadiu o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação, lidamos mais com signos do que com coisas. O motor a explosão detonou a revolução moderna há um século; o chip, microprocessador com o tamanho de um confete, está causando o rebu pós-moderno, com a tecnologia programando cada vez mais o dia-a-dia.

2. Na economia, ele passeia pela ávida sociedade de consumo, agora na fase do consumo personalizado, que tenta a sedução do indivíduo isolado até arrebanhá-lo para sua moral hedonista - os valores calcados no prazer de usar bens e serviços. A fábrica, suja, feia, foi o templo moderno; o shopping, feérico em luzes e cores, é o altar pós-moderno.

3. Mas foi na arte que o fantasma pós-moderno, ainda nos anos 50, começou a correr o mundo. Da arquitetura ele pulou para a pintura e a escultura, daí para o romance e o resto, sempre satírico, pasticheiro e sem esperança. Os modernistas (vejam Picasso) complicaram a arte por levá-la demasiado a sério. Os pós-modernistas querem rir levianamente de tudo.

4. Enfim, o pós-modernismo ameaça encarnar hoje estilos de vida e de filosofia nos quais viceja uma idéia tida como arqui-sinistra: o niilismo, o nada, o vazio, a ausência de valores e de sentido para a vida. Mortos Deus e os grandes ideais do passado, o homem moderno valorizou a Arte, a História, o Desenvolvimento, a Consciência Social para se salvar. Dando adeus a essas ilusões, o homem pós-moderno já sabe que não existe Céu nem sentido para a História, e assim se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. E aqui você pode escolher entre ser:

a) a criança radiosa - o indivíduo desenvolto, sedutor, hedonista integrado à tecnologia, narcisista com identidade móvel, flutuante, liberado sexualmente, conforme o incensam Lipovestsky, Fiedler e Toffler, alegres gurus que vamos visitar logo mais;

b) o andróide melancólico - o consumidor programado e sem história, indiferente, átomo estatístico na massa, boneco da tecnociência, segundo o abominam Nietzsche e Baudrillard, Lyotard, profetas do apocalipse cujo evangelho também vamos escutar.

Enjoy!

Trechos do livro: O que é pós-moderno, Jair ferreira dos Santos, Ed. Brasiliense, 1987

Entrevista com o Daniel Galera

DENTES GUARDADOS

COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO "DENTES GUARDADOS", DE DANIEL GALERA

"Daniel Galera anda no fio da navalha da ficção e confissão. A começar pelo título, tirado de Hilda Hilst, Dentes guardados estabelece diálogos com a tradição literária, mas cada uma das 14 histórias é atravessada por referências ao cotidiano de jovens intelectualizados e saudavelmente insatisfeitos com a vida. Isso se manifesta, é claro, em situações, mas principalmente no bom ouvido de Galera para registrar o coloquial sem descuidar da forma. Seus personagens são facilmente reconhecíveis, mas não decalcam a vida: são, por tudo isso, solidamente literários. Em seus melhores momentos, Dentes guardados retoma, sem redundância, os conflitos da masculinidade na ressaca do "liberou geral". Já que pode tudo, o que realmente se quer? "Escrava branca" pode horrorizar feministas, mas desarma habilmente todos os clichês, assim como o agridoce "Triângulo". A festa do sexo é levemente melancólica e não é raro que homens fujam de mulheres, movidos por perplexidade ou medo como em "Natureza morta" e "Alguma psicologia"."  

Paulo Roberto Pires, Revista Época


"Refletindo o combate entre uma neurose enferrujada provocada pelo ambiente hostil do capitalismo e a erupção dos instintos humanos como uma ruptura brutal e efêmera com a civilização, as criaturas do autor vêem-se suspensas."
Rodrigo Moreno, Ócio do Caramujo

(Informações retiradas do site: http://www.ranchocarne.org/ldm/dentes.html)